Controle jurisdicional de políticas públicas. Possibilidade.
Não ofende o princípio da separação dos poderes a
implantação, a partir de decisão do Poder Judiciário, da Defensoria Pública no
estado do Paraná. É legítima a atuação do Judiciário no sentido de se suprir a
omissão estatal.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, considerada a
dimensão política da jurisdição constitucional de que se acham investidos os
órgãos do Poder Judiciário, tem enfatizado que os juízes e Tribunais não podem
demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivas as determinações constantes
do texto constitucional, inclusive aquelas fundadas em normas de conteúdo
programático (RTJ 164/158-161, Rel. Min.
CELSO DE MELLO, v.g.).
É que, se tal não ocorrer, restarão comprometidas a
integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação
negativa do estatuto constitucional motivada por inaceitável inércia
governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder
Público, consoante já advertiu o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez,
em tema de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
v.g.).
Impende assinalar, no entanto, que tal incumbência
poderá atribuir-se, embora excepcionalmente, ao Poder Judiciário, se e quando
os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos
que sobre eles incidem em caráter vinculante, vierem a comprometer, com tal
comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou
coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em
exame.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público,
criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua
atividade financeira e/ou político-administrativa – o arbitrário, ilegítimo e
censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de
condições materiais mínimas de existência e de gozo de direitos fundamentais
(ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004), a
significar, portanto, que se revela legítima a possibilidade de controle
jurisdicional da invocação estatal da cláusula da “reserva do possível”,
considerada, para tanto, a teoria das “restrições das
restrições”, segundo a qual – consoante observa LUÍS FERNANDO SGARBOSSA
(“Crítica à Teoria dos Custos dos Direitos”, vol. 1/273-274, item n. 2, 2010,
Fabris Editor) – as limitações a direitos fundamentais, como o de que ora se
cuida, sujeitam-se, em seu processo hermenêutico, a uma exegese
necessariamente restritiva, sob pena de ofensa a determinados parâmetros de
índole constitucional, como, p. ex., aqueles fundados na proibição de
retrocesso social, na proteção ao mínimo existencial (que deriva do
princípio da dignidade da pessoa humana), na vedação da proteção
insuficiente e, também, na proibição de excesso.
A cláusula da “reserva do possível” –
ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não
pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se,
dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente
quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação
ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de
um sentido de essencial fundamentalidade.
As dúvidas sobre a margem
de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz
dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato
administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não
contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da
ordem social constitucional.”