A Constituição Federal trouxe à baila uma discussão
bastante relevante acerca da responsabilização penal da pessoa jurídica. Isso
porque previu em seu art. 225, §3º que “as condutas e atividades consideradas
lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação
de reparar os danos causados”.
Ato seguinte, a Lei 9.605/98 regulamentou o dispositivo
constitucional, estabelecendo, em seu art. 3º que “as pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta
Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de
sua entidade”.
A partir dos dois dispositivos supracitados, um de índole
constitucional, outro de natureza legal, surgiu a indagação: existe
responsabilização penal para a pessoa jurídica? Quatro correntes se digladiam,
duas dizendo não ser possível e outras duas defendendo a responsabilização
penal.
A primeira, minoritária, afirma que a Constituição de 88
na verdade previu uma responsabilização administrativa da pessoa
jurídica. A interpretação dessa corrente é no sentido de que se o infrator for
pessoa física, estará sujeito a sanções penais; se pessoa jurídica, a infrações
administrativas (“... sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas...” – art. 225, §3º). Adotam essa posição,
dentre outros, Cezar Roberto Bittencourt, Miguel Reale Jr. e José Cretella.
A segunda corrente também não admite a responsabilização
penal da pessoa jurídica. O fundamento é que a responsabilização penal da
pessoa jurídica não é compatível com a teoria do crime adotada no Brasil.
Conceitos como culpabilidade, por exemplo, só podem ser atribuíveis a seres
humanos. Pessoa jurídica não tem consciência, vontade e finalidade. Essa corrente apóia-se na doutrina de
Savigny, que considera a pessoa jurídica uma ficção (societas delinquere non
potest). Adotada por Luis Régis Prado, Zaffaroni, Luiz Flávio Gomes,
Fernando da Costa Tourinho Filho, Alberto Silva Franco, dentre outros.
Por sua vez, a terceira corrente afirma que é
plenamente possível a responsabilização penal no caso de crimes ambientais,
simplesmente pelo fato de a Constituição ter determinado isso. Não é necessário
punir pessoas físicas em conjunto com pessoas jurídicas (dupla imputação). É a
posição do STF, em sua 1ª turma.
A quarta teoria é a da dupla imputação. É possível
a responsabilização criminal da pessoa jurídica, desde que em conjunto com uma
pessoa física. Era a posição do STJ, no Resp 610.114/RN. Para o Colendo Tribunal nesse julgado, o Ministério
Público, ao denunciar, “deve, obrigatoriamente, identificar e apontar as
pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica,
participaram do evento delituoso, sob pena da exordial não ser recebida (Resp
610.114/RN). Hoje, o entendimento mudou: RMS 39.193. Vejamos a ementa do recente julgado:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR CRIME AMBIENTAL: DESNECESSIDADE DE DUPLA IMPUTAÇÃO CONCOMITANTE À PESSOA FÍSICA E À PESSOA JURÍDICA.
1. Conforme orientação da 1ª Turma do STF, "O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação." (RE 548181, Relatora Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 6/8/2013, acórdão eletrônico DJe-213, divulg. 29/10/2014, public. 30/10/2014).
2. Tem-se, assim, que é possível a responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais independentemente da responsabilização concomitante da pessoa física que agia em seu nome. Precedentes desta Corte.
3. A personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de artifício para a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução.
4. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(RMS 39.173/BA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 13/08/2015)
Perfilhamos o entendimento de que é plenamente possível a
responsabilização penal da pessoa jurídica, independentemente da
responsabilização conjunta de uma pessoa física (portanto, adotamos a terceira corrente). Nesse
sentido, é válida a denúncia contra a pessoa jurídica tão somente, uma vez que
é muito difícil, em muitos casos, determinar-se os reais causadores dos danos.
Mais difícil ainda é também imputar fato delituoso a pessoas que, às vezes, nem
residem no Brasil, como é o caso de multinacionais. Ficamos, portanto, com o
entendimento da 1ª turma do STF.